Carta para Celeida, por Theodora Moreira Lima

Peguei a terra na mão impressa de destino e medo. Segura – segura – segura – segura – segura e solta. Soltar é fácil e dói. A poeira fina é a última que cai e a que mais dança, parece até que flutua. Essas coisas pequenas dão medo de morrer, mas acho que não morre, nem mata: é só atenção à vida silenciosa do mundo – ouvir a vida como quem encosta o ouvido no chão e ouve alguma coisa bem longe  (não se sabe onde). Ouve, e se ouve é porque tudo que existe pisa sem saber na mesma enormidade.

“As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis: elas desejam ser olhadas de azul – que nem uma criança que você olha de ave”. Dizem que azul é profundidade, que um muro pintado de azul não é mais um muro. Mal se sabe que a profundidade opaca é funda e misteriosa. A terra se relembra bem de quando foi par com o céu; a gente é que esquece. Pesquisei “barro”; achei Manoel. “As coisas que não tem nome são mais pronunciadas por crianças”. A planta se chama Teresa. A terra ainda não tem nome, um nome que não seja terra, que não seja tão universal quanto Terra. Os poetas já conversavam com as pedras, a gente é que não sabia. “Não tem altura o silêncio das pedras”, “Bato à porta da pedra/ – sou eu, me deixa entrar/ -não tenho porta – diz a pedra”.
-“Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh”. A ideia que tenho de Deus se parece mais com terra que com céu. Onde se esconderia ele na limpidez? As nuvens não são suficientes pra cobrir a grandeza. A origem e o fim tem o divino em si; e o maravilhoso; e o horrível. A grandeza e a pequeneza das coisas conversam preguiçosamente como quem sabe o segredo de tudo – que tudo é um. Que tudo vive. Que tudo morre. É o que eu ouvi da terra; e o vento? o vento é só voz e irreverência viva.

O texto foi escrito tendo como base a proposição no livro sobre a vida e obra de Celeida Tostes:
“Quando você quiser entender a vida – e a arte – com os olhos e o coração da Celeida Tostes, recolha a terra sobre a palma da sua mão e lentamente deixe-a escorrer por entre os dedos.Você então descobrirá que a vida é a ação do espírito, que impulsiona essa experiência, e do corpo, que é esse pó que sai de sua mão, dança no ar e retorna ao chão. Quanto à arte… a arte é o vento…”
Epígrafe do livro: COSTA, M.L. Arte do fogo, do sal e da paixão – Celeida Tostes/Marcus Lontra Costa. Rio de Janeiro:FCBB, 2003.

Celeida foi uma grande artista e educadora com um trabalho marcante com a materialidade do barro.

Theodora cursa Artes Visuais na UFMG com habilitação em desenho. Tem trabalhado com a cerâmica, sendo marcante também as temáticas do afeto, do onírico e da memória e a relação com a palavra.
Instagram: @theodora.e.so