SOPA DE PATO #1

 

Essa é uma tentativa de uma coluna colaborativa de indicações variadas. Algumas coisas que tenhamos ouvido, lido, assistido ou sei lá o que nos últimos tempos. Uma sopa meio aleatória, mas com sorte você vai sair com alguma algo interessante pra caçar pela internet depois. Dessa vez fomos basicamente Pedro Ávila, Lucas Almeida, Patrícia Pinheiro e João Carlos Pinho.


Chapter one: Latin America (1973), de Gato Barbieri

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Discípulo de Coltrane e um dos saxofonistas mais importantes e bem sucedidos dos anos 1970, o argentino Gato Barbieri esteve lá no início do free jazz, tendo tocando em álbuns antológicos como Complete Communion (1965), de Don Cherry, e Escalator over the Hill (1971), de Carla Bley, só pra citar dois. Segundo o crítico estadunidense Robert Christgau, Gato Barbieri foi o único jazzista além de Miles Davis a conseguir traduzir o jazz de vanguarda em algo quase acessível ao grande público sem soar desonesto. E é bem isso que se ouve em Chapter one: Latin America, talvez sua obra-prima. Uma celebração aventurosa da música latino-americana, contando com músicos e instrumentos de todo o canto (Argentina, Peru, Brasil, Bolívia e por aí vai) mas com um embalo irresistível. Uma das faixas do álbum, “India” é uma versão linda de uma música escrita por José Ansunción Flores, Manuel O. Guerrero e José Fortuna, que foi interpretada por Gal Costa, dando nome ao excelente Índia, curiosamente também de 1973. Chapter one, como o título indica, o primeiro de uma série. Vale a pena ir atrás dos outros três álbuns, ou capítulos, respectivamente: Hasta Siempre (1974), Viva Emiliano Zapata (1974) e Alive in New York (1975). Os dois últimos são um pouco menos audaciosos, especialmente Viva Emiliano Zapata (o que faz do título um pouco irônico), mas nenhum perde a força celebratória dos encontros entre esses diferentes ritmos e instrumentos, fazendo jus à toda potência do caldo cultural da América Latina.

Bronca Buenos Aires (1971), de José López Ruiz

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Esse álbum narra, tanto literalmente, com palavras escritas e recitadas por José Tcherkaski no início de cada música, quanto musicalmente, a experiência de se viver num país em que o silêncio é a ordem, sendo proibida qualquer forma de manifestação ou expressão. Realizado durante um dos períodos mais assombrosos da Argentina, o regime militar de 1966 a 1973, Bronca Buenos Aires ficou indisponível por muitos anos, tendo sido proibido na época, mas dá pra encontrar no spotify uma reedição de 2013 que conta com versões traduzidas dos monólogos para inglês e francês, mas sem alterar a gravação das músicas em si. O tipo de disco esquecido que a gente tem que lembrar de ouvir de vez em quando.

Só quem viu o relâmpago à sua direita sabe (2020), de Kaatayra

Minha fonte oficial de música boa contemporânea é o Volume Morto, mas de vez em quando dou uma passada nas listas do rateyourmusic. Nessas descobri esse disco curioso do ano passado, que mistura black metal com samba e outras referências musicais brasileiras. Talvez se beneficiasse de uma produção um pouco melhor, em que desse pra escutar todos os detalhes claramente, mas o resultado final não é ruim, a mistura de estilos funciona impressionantemente bem a maior parte do tempo. Pelo que dá pra extrair do bandcamp, o projeto é praticamente todo de Caio Lemos, que toca todos os instrumentos e faz a maior parte dos vocais. É o tipo de coisa que, mesmo com defeitos vale a pena conferir. Eu devo tá na pista errada, mas me faz lembrar de Nação Zumbi misturando metal e maracatu, apesar de ser uma mistura mais simbiótica talvez, mais superposição do que justaposição. Trevoso mas acústico, é uma boa trilha sonora pro pesadelo que o Brasil vive hoje. Dá pra escutar de graça por aqui.

Aron Feldman

Em 1988 Jairo Ferreira sentenciou: Aron Feldman é um talento que provavelmente será redescoberto entre os vivos muito aparentemente mortos deste fim de década. Infelizmente, Aron Feldman (1919 – 1993)  continua hoje um ilustre desconhecido. Juntei alguns textos e entrevistas sobre/com Aron Feldman, além de alguns poucos filmes (4 de um total de aproximadamente 23, entre curtas, médias e longas em variadas bitolas e formatos) que podem ser encontrados na internet. Deste rápido levantamento chama especial atenção alguns registros sobre sua estada em Belo Horizonte, como o vídeo de Fábio Carvalho, O Mundo de Aron Feldman, e o videoclipe Cu de Comunista, da banda Divergência Socialista – em que atua. Enfim, alguns links, filmes, textos, dicas. Que o talento de Aron Feldman – também como fotógrafo – seja redescoberto nessa década tão incerta que ainda se inicia. Filmes , Textos: Catálogo Aron; De dentro de um cemitério – Paulo Emílio; jairo ferreira 1988; O Mundo de Aron Feldman por Fábio Carvalho.e mais aqui, aqui aqui aqui e aqui. Recentemente Cláudio Feldman – filho e colaborador de Aron – lançou o livro Aron Feldman: Cinema Nas Veias.

Level Five (1997), de Chris Marker

Chris Marker - Level Five (Trailer) | Dinca

O filme Level Five (1997) do Chris Marker tá no mubi.com e é uma piração interessante. Em parte é um documentário sobre a batalha de Okinawa, o último conflito da Segunda Guerra, que serviu de prelúdio pro lançamento das bombas atômicas no Japão. Mas também é uma ficção científica sobre essa mulher que está tentando terminar o videogame inspirado na batalha de Okinawa, obra inacabada de seu falecido marido. O filme faz uma brincadeira intercalando entrevistados que de fato viveram a Segunda Guerra e a personagem fictícia que fica rememorando sobre seu marido, discutindo com a câmera num formato videolog sobre a vida e suas conversas na internet. É tudo uma grande reflexão melancólica e cabeçuda sobre os traumas do século XX, tanto num nível macro como micro, assim como sobre as confusões entre realidade, ficção, memória e sonho, engatilhadas pelo existencialismo cibernético de fim de século.

Ernie Pike, de Oesterheld e Pratt

Ernie Pike - La sentinella by Hugo Pratt on artnet

Não tem necessariamente a ver com o filme de Marker, mas em Level Five é citado que o jornalista e correspondente de guerra Ernie Pyle, que ficou conhecido por seus relatos sobre soldados e momentos ordinários da guerra, morreu na batalha de Okinawa. Bem, inspirado nessas histórias, o argentino Héctor Oesterheld criou uma série de quadrinhos em 1957, Ernie Pike, primeiramente desenhada pelo gigante Hugo Pratt, mais famoso por sua obra-prima Corto Maltese. Ano passado, Ernie Pike saiu pela primeira vez no Brasil, pela editora Figura. É uma coleção de contos breves que, escolhendo tratar de figuras “irrelevantes” da Segunda Guerra, tece diversas reflexões sobre os conflitos humanos e como pessoas comuns lidam com os terrores da Guerra. Se você tiver chance de ler, leia, é excelente. Oesterheld foi um opositor do regime militar argentino, tendo se unido ao grupo guerrilheiro Montoneros. Ao longo dos anos 1970, Oesterheld e grande parte de seus filhos foram sequestrados pelas forças armadas. O corpo de Oesterheld nunca foi encontrado. Alguns quadrinhos dele vêm sendo lançados no Brasil nos últimos tempos, como a ficção científica O Eternauta, conhecida por sua crítica política, mas principalmente as obras que fez junto de Alberto Breccia, como a borgiana Mort Cinder, que trata um misterioso homem que nunca morre.

O cinema de Kelly Reichardt

Kelly Reichardt's 'Meek's Cutoff': The Camera's ...

Kelly Reichardt é uma diretora norte-americana que investiga em seus filmes a formação da identidade estadunidense, através das perspectivas de indivíduos marginalizados dentro da histórica canônica dos Estados Unidos da América. Seus filmes trabalham a jornada cotidiana desses outsiders, transmitindo um discurso forte sobre as violências e contradições de seu país sem precisar trazer de modo enfático e explícito as mesmas. Com roteiros simples e com pouca ação, para os espectadores que se permitam embarcar no realismo banal de suas construções, sua obra produz um efeito generalizado de ambiência, que os emerge em uma poética do silêncio altamente reflexiva.

Filmes recomendados: O Atalho (2010), Wendy & Lucy (2008) First Cow (2019), Certain Women (2016)

 

Os corpos e bonecos de Osamu Tezuka (parte 1) – por Pedro Ávila

Detalhe do curta de 12 segundos “Auto retrato”, no qual a face de Osamu Tezuka se torna uma máquina caça-níqueis, trocando de rostos sem parar.

Os mangás e animes de Osamu Tezuka (1928-1989) tendem a se encaixar em gêneros fantásticos, nos quais se não há magia em si a ciência é extrapolada a sua condição mais caricata. Os mundos que o autor criava eram regidos pela lógica flexível da brincadeira, sendo muitas vezes habitados por seres como robôs e andróides, que podemos associar a bonecos. Sua criação mais emblemática é provavelmente a ficção científica Tetsuwan Atom (1952-1968), conhecida também como Astroboy fora do Japão, que conta a história de Atom, um menino robô super poderoso. Atom foi criado pelo Dr. Tenma para substituir Tobio, seu filho que havia falecido num acidente automobilístico. Sendo andróide feito à imagem e semelhança de Tobio, Atom é um duplo. Uma das questões recorrentes na obra de Tezuka será, portanto, o que define um ser humano e quais as diferenças entre uma pessoa e um ser artificial. Além de andróides, sua obra será povoada também por outros seres de identidade ambígua, sendo recorrente o tema da encenação.

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Capa do primeiro volume de Tetsuwan Atom, o Astroboy.

O desenho de Tezuka, que possui linhas simples mas expressivas, e seu design de personagens baseado em formas geométricas básicas, ajudou a configurar o “estilo mangá” genérico (olhos grandes, traços arredondados, expressões exageradas). Desse estilo surgiram personagens icônicos, passíveis de serem reconhecidos com imensa facilidade, assim como reproduzidos em outras mídias, ou transformados em brinquedos. Tezuka parte de uma noção artística bem moderna: a síntese, o menor número possível de traços para a maior expressividade.

Ele foi um desses quadrinistas que utilizam da obviedade da imagem para chegar direto ao ponto com relação aos temas, um desses artistas que jogam diretamente com a superfície. Seu estilo cartunesco tende a apresentar uma economia de traços e hachuras, influenciado pelos desenhos animados norte-americanos estilo Disney e Fleischer, assim como pelos designs construtivistas de autores de mangá do período pré-guerra 1.  Como nos desenhos animados da primeira metade do século XX, as personagens de Tezuka possuem um aspecto “borrachudo”, despreocupado com o “realismo” ou “naturalismo”.

Detalhe de uma página de Metropolis (1949), na qual é possível observar a influÊncia dos desenhos animados borrachudos.

Essas particularidades de seu estilo facilitavam com que ele e seus assistentes desenhassem múltiplas séries de quadrinhos simultaneamente, acelerando também a produção de suas adaptações para desenho animado. Além disso, os olhos grandes e expressões exageradas eram uma forma conveniente de explicitar as emoções das personagens, sem necessitar a animação completa de seus movimentos corporais.

Por conta disso, já compararam muito Tezuka com Walt Disney, como se o mangaka 2 fosse uma espécie de “Disney japonês” 3. Mas como Rogério de Campos afirma no prefácio da edição brasileira de Ayako (1972-1973) 4:

“[…] as diferenças entre um e outro saltam à vista. […] enquanto Tezuka era um desenhista impressionantemente prolífero e criativo, Disney mal desenhava, nem mesmo sua famosa assinatura é criação dele. Disney foi um empresário. Tezuka, mais do que tudo, foi um artista. […] é bem sabido que, quando o macarthismo invadiu Hollywood, Disney foi correndo se oferecer como dedo-duro na caça aos comunistas. Tezuka, quando o movimento da censura aos quadrinhos ficou mais forte [no Japão dos anos 1960], saiu em defesa dos gekiga 5. Falou publicamente contra a censura e pelo direito dos quadrinhos tratarem de todos os temas. Foi além: em 1967, criou uma revista, a COM, na qual os jovens e veteranos mangaka pudessem fazer suas experimentações e tratar, com total liberdade, de todos os tipos de temas, inclusive sexo 6.” (p. 7 do prefácio da edição brasileira de Ayako, de 2018.)

Contudo, as obras de ambos estão intimamente relacionadas ao mundo industrial da reprodutibilidade técnica. Como Disney, Tezuka fez muito dinheiro com as imagens de suas personagens, tanto em quadrinhos e desenhos animados quanto em bonecos e estampas de qualquer produto que fosse. Entretanto, acredito que os propósitos de Tezuka eram também de criar narrativas que pudessem em si refletir sobre sua própria reprodutibilidade técnica. Se Atom é um robô é porque interessava a ele revelar a artificialidade de suas histórias, de maneira a ponderar o que significa ser humano numa era repleta de duplos e reproduções.

O mundo moderno, industrial e fissurado pela velocidade, é a razão de Atom existir. Tanto por ser fruto do imaginário de um Japão pós-guerra, que experienciou os maiores terrores produzidos industrialmente, máquinas de guerra e bombas nucleares, como diegeticamente. Atom só pôde surgir a partir da dor de um pai que teve seu filho tirado do mundo por  uma colisão entre máquinas tecnológicas. Dessa dor emerge um ser-coisa, ser-máquina, fusão de Tobio e os carros que causaram sua morte.

Logo no início, Atom é abandonado por seu criador, para o qual a perfeita semelhança do robô a Tobio apenas intensifica a ausência de seu filho morto. Mas seria Atom menos humano que Tobio? Essa questão é complexa, já que o andróide parece ter sentimentos, além de lutar pelo bem da vida. Apesar de, a rigor, não estar vivo nem ser humano, ele tende a agir de maneiras muito mais “humanas” do que algumas pessoas no mangá, sempre buscando a solução mais diplomática para os problemas.

Tezuka na década de 1960, no estúdio de produção de animações da Mushi Production.

Dessa discrepância entre o humano e objeto, um caso interessante está no mangá Dororo (1967-68) 7, que conta a história de Hyakkimaru, um garoto que ao nascer constituia apenas de um tronco desmembrado e uma cabeça sem olhos, nariz, ouvidos ou boca. Antes de nascer Hyakkimaru teve 48 de seus órgãos sacrificados por seu próprio pai a um grupo de youkai 8 em troca de poder e riqueza. Após ser salvo por sua mãe e colocado numa cesta num rio, o menino é encontrado por um curandeiro que passa a criá-lo como seu filho. Para que Hyakkimaru possa viver como uma pessoa comum, seu pai adotivo constrói membros e órgãos de madeira, colocando lâminas dentro de seus braços para que ele possa se defender e surpreender os inimigos. Sendo constantemente perseguido por assombrações, o garoto precisa cortar seu laço com o pai adotivo (outro desmembramento), resolvendo percorrer o mundo em busca de reconstituir seu corpo. Para isso, ele deve matar todos os youkai que selaram o pacto com seu pai biológico. Em suas aventuras, ele é acompanhado por Dororo, o ladrãozinho que dá nome ao título.

Detalhe de uma página de Dororo. Hyakiimaru bebê e seu pai adotivo criando membros de porcelena e madeira.
Hyakkimaru (à esquerda) e Dororo (à direita), em ilustração de 1967 para a revista Shonen Sunday.

Ao longo do mangá, Hyakkimaru vai trocando seus órgãos falsos pelos orgânicos, o que posiciona seu corpo no centro da narrativa, o que nos atenta para o próprio artifício do desenho de Tezuka. Diferente de sua versão animada de 2019, no mangá de Dororo, Hyakkimaru aparenta ser como qualquer outro humano: por meio de suas habilidades psíquicas, consegue ver, ouvir e se comunicar apesar de seus ouvidos, olhos e bocas serem falsos, o tornando indistinguível às demais personagens. Isso ajuda a causar maior espanto quando Hyakkimaru desatarracha um de seus braços falsos, revelando a lâmina escondida. Mesmo depois de obter seus membros reais, não parece haver qualquer estranhamento por parte dos demais personagens, sendo para eles carne e osso indistinguíveis de madeira e porcelana. Afinal de contas, o mangá nos permite perceber que Hyakkimaru não é feito de nada que não tinta e papel: ele é uma imagem, um boneco do autor Tezuka, como qualquer outra personagem da história.

Hyakkimaru desatarrachando um de seus braços e revelando a lâmina escondida.

Já que a maior parte de seus membros são artificiais, assim como seus sentidos, Hyakkimaru constantemente tem que performar ser um humano comum. Seu trajeto ao longo do mangá é, portanto, se tornar de fato quem ele antes performava ser. Contudo, o fato de não haver uma distinção óbvia entre o artificial e o orgânico suscita a questão: até que ponto Hyakkimaru está de fato recuperando seu corpo verdadeiro? Se enquanto performava ter um corpo inteiramente orgânico ele já era percebido enquanto um humano comum, que diferença faz a materialidade de seu corpo? Ele era menos humano antes? Ou até: não seria a falta aquilo que o tornava ele próprio? Voltamos ao mesmo dilema de Atom: o que define a humanidade: nossos corpos ou nossas ações?

A encenação envolve também os diversos youkai que Hyakkimaru e Dororo combatem ao longo da série. Esses inimigos quase sempre ocultam sua verdadeira forma, assumindo a aparência de pessoas, animais ou objetos. A maneira com a qual Hyakkimaru derrota os youkai separa os pedaços de seus corpos, por vezes os fatiando ao meio. A divisão do corpo das personagens pode também ser associada à replicação e à reprodutibilidade técnica.

Página de Dororo, na qual vemos Hyakkimaru partir um youkai em forma de cachorro ao meio.

Já que estamos falando de encenações, vamos lembrar de uma antiga prática entre os quadrinistas japoneses: o star system, inspirado no sistema Hollywoodiano, em que um mesmo ator performa papéis diferentes em diferentes produções  de um dado diretor ou gênero cinematográfico. Dessa forma, vários mangakas reutilizavam um mesmo design para múltiplos personagens em mangás diferentes, como se fossem atores (aqui você pode ver alguns dos “atores” principais de Osamu Tezuka e seus diferentes papéis). Assim, ocorre uma disjunção ao encontrarmos numa obra uma personagem cujo design reconhecemos de outra, na qual desempenha o “papel” de uma personagem completamente diferente 9). Mais uma vez somos obrigados a encarar a artificialidade da narrativa e desenhos. Algumas personagens podem também se encontrar em dilemas performativos, se disfarçando, ou fingindo ser alguém ou algo que inicialmente não eram. Nesse sentido, Tezuka se assemelha a uma criança usando um número limitado de brinquedos como personagens diferentes para suas diversas brincadeiras. São, então, as marionetes que ele manipula para contar histórias. Isso para não falar nas constantes “quebras de quarta parede”, nas quais as personagens demonstram ter plena consciência de estar num mangá, chegando a interagir com os quadros, balões de fala e o próprio autor. Demonstrando através da comicidade um gosto lúdico do autor, que quer brincar e experimentar com os elementos formais do quadrinho.

Uma das estrelas de Tezuka, um mesmo “ator”/modelo/design em dois papéis distintos: à esquerda como Duke Red, de Metrópolis (1949) e à direita como Nikura, no primeiro capítulo de Black Jack (1973), mangá no qual reaparece múltiplas vezes interpretando papéis diferentes. Interessante notar como Tezuka desenha seu “ator” como se tivesse de fato envelhecido ao longo das décadas.
Outro exemplo do star system: Hyakkimaru como Ben e Dororo como seu irmãozinho em Black Jack, no capítulo “Miyuki and Ben”. Note que no quadro mais à direita Tezuka desenhou a si mesmo como um dos passageiros, o narigudo de óculos e boina lendo um livro.
Detalhe de uma página do capítulo “Miyuki and Ben”, de Black Jack, na qual o cenário é desenhado como se derretesse, visualmente chorando junto do personagem Ben. Parece até poesia concreta.

 

Detalhe de uma página de Buda (1967), na os balões de fala grudam numa personagem que passou pomada pelo corpo.

A performatividade do gênero é outra questão recorrente em sua obra, sendo o exemplo mais notável A princesa e o cavaleiro (1953-1956), no qual a princesa Sapphire se disfarça de cavaleiro para lutar contra o mal 10. Outros exemplos estão em seu Metrópolis 11, no qual há um andróide sem gênero determinado, ou mesmo em Buda, no qual o jovem Devadatta é obrigado a se disfarçar como garota em determinado momento, sendo comentado que seu rosto seria um tanto feminino.

Ilustração de Sapphire, a protagonista de A princesa e o cavaleiro.

O apreço de Tezuka por chamar atenção ao corpo humano, através das partes desmembradas e dos membros artificiais, pode ser associada a sua formação em medicina pela Universidade de Osaka. Além disso, o mangaka foi testemunha dos horrores da Segunda Guerra, chegando a ser obrigado a trabalhar em uma fábrica de armas em 1944. De castigo, na torre de vigia da fábrica, Tezuka viu aviões norte-americanos chegando e os bombardeando. Sobre o incidente, o desenhista relata:

“Desci a torre de vigia gritando feito um louco. Ao meu redor o chão era um mar de fogo […] as casas em volta pegavam fogo, crepitando. Então, caiu uma chuva misturada com cinzas. Caminhei até o rio, vendo as crateras abertas pelas bombas onde amontoavam objetos que se assemelhavam a pedaços de seres-humanos e que eram, de fato, pedaços de seres-humanos!”. (p. 8 do Prefácio da edição brasileira de Ayako, 2018)

Mickey Mouse fires on the Japanese protagonist in Tezuka Osamu's wartime manga Shōri no hi made (Till the Day of Victory). Courtesy of Tezuka Productions.
Talvez por isso ele tenha desenhado Mickey Mouse atirando de um avião no mangá de guerra Shouri no hi made (“Till the day of victory”, em inglês; “Até o dia da vitória”, em tradução livre).

Testemunhar a destruição da guerra pode ter influenciado a imaginação de seres artificiais indestrutíveis, como também questionamentos sobre o que define a humanidade e sua moral. Mas quero menos achar uma explicação autobiográfica e mais apontar às relações entre o contexto histórico e as obras em questão. Trata-se de um Japão fragmentado – picotado como os inimigos de Hyakkimaru -, ocupado por forças externas e marcado pelos horrores da bomba atômica. O próprio nome original de Astroboy, “Atom”, remete às bombas atômicas norte-americanas que arrasaram Hiroshima e Nagazaki, não apenas matando centenas de milhares de pessoas como alterando toda a organização política e cultural do país. Seria Atom, o robô super poderoso mas diplomático, que luta pela paz, uma tentativa de criar algo positivo a partir do trauma de uma nação?

Considerando sua formação médica, não surpreende que, entre 1973 e 1983, Tezuka publicou Black Jack 12, um de seus mangás mais renomados no Japão, apesar de pouco conhecido por aqui. Trata-se da história de Hazama Kuro, mais conhecido por sua alcunha “Black Jack”, inspirada no jogo de baralho de mesmo nome, também conhecido como “21”. Ele é um cirurgião clandestino com um passado misterioso, que vive entre conflitos morais e éticos, entre o “bem” e o “mal”, o que é tornado visualmente literal por seu rosto dividido por uma cicatriz e seus cabelos metade pretos e metade branco (as mesmas cores de um mangá impresso). Black Jack é também um mangá que nos torna autoconscientes sobre o corpo humano, com suas imagens gráficas de cirurgias e interiores do corpo, as quais, apesar de por vezes influenciadas por ficção científica, são extremamente detalhadas e acuradas, graças à formação médica de Tezuka.

Vale notar também a presença da amiga de Black Jack, Pinoko, outra personagem cujo corpo é parcialmente sintético. Em um dos primeiros capítulos do mangá, Black Jack recebe o pedido de retirar um tumor de uma garota de 18 anos, operação que nenhum outro cirurgião tinha sido capaz de realizar. Esse tumor é identificado no mangá como “teratoid cystoma“: a garota teria tido uma irmã gêmea cujo embrião não se desenvolveu completamente, acabando por se alojar como tumor em seu corpo. Ao perceber que o tumor pode se comunicar telepaticamente (traço que compartilha com Hyakkimaru), Black Jack resolve transpor sua mente, sistema nervoso e seus poucos órgãos mal desenvolvidos para um corpo feito de fibra sintética, batizando-a de “Pinoko”. Devido ao tamanho reduzido de seus órgãos, Pinoko assume a forma de uma criança, apesar de ter uma mente de 18 anos, o que gera estranhamentos constantes quanto a maneira com a qual ela pensa e age. Isso também faz com que a aparência de seu corpo artificial seja comparada à de uma boneca.  Não surpreende, portanto, que seu nome tenha sido inspirado na obra original de Carlo Collodi, Pinocchio, o boneco que queria ser menino de verdade.

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Black Jack, capítulo “Teratoid Cystoma”. O tumor que veria a se tornar Pinoko seria um embrião que nasceu apenas em partes, implantado dentro de sua irmã gêmea, a garota de 18 anos que carrega o tumor.
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Black Jack dando um corpo para Pinoko.
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O corpo artificial de Pinoko, que se assemelha a uma boneca.

Pinóquio (como também a criatura de Doutor Frankenstein, de Mary Shelley) é uma personagem que ecoa ao longo do trabalho de Tezuka, seja no robô Atom feito à imagem e semelhança de um garoto morto; no corpo de madeira e porcelana de Hyakkimaru; ou na própria adaptação direta de Pinóquio que Tezuka fez em 1952  13. Se analisarmos os “pais” ou tutores de Atom (Dr. Tenma), Hyakkimaru (Dr. Honma) e Pinoko (Black Jack), encontramos analogias para o artista, o criador de personagens, que é cientista, curandeiro, alquimista, marceneiro e/ou cirurgião. Como os “pais” artificiais de seus mangás, Tezuka utilizou seus conhecimentos anatômicos para construir bonecos cartunescos. Esses bonecos, como Pinóquio contam mentiras. Não no sentido de que as personagens mencionadas são mentirosas, mas de que as narrativas em si têm consciência de serem mentiras, ficções, as quais não buscam nos convencer de serem realidade, mesmo que por breves instantes, mas sim ressaltar sua condição artificial. Também como eles, Tezuka articula em suas páginas diferentes quadros, fragmentos que formam um organismo complexo.

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O Pinocchio (1952) de Osamu Tezuka.

Além do desejo de sintetizar, outra preocupação modernista compartilhada pela obra de Osamu Tezuka é a fascinação pela cinética. Em geral as histórias em quadrinhos ao longo do século XX desenvolveram maneiras eficientes de se representar e pensar o movimento, seja através de linhas e rabiscos que indicam a forma e a direção do movimento ou a simples maneira de ilustrar um personagem com intuito de dar a sensação de que está no meio de uma ação. Contudo, é de conhecimento geral que os quadrinhos japoneses em particular se inspiraram ou até tentaram emular a sensação do movimento cinematográfico. Um exemplo clássico disso (apesar de muitas vezes incorretamente citado como o primeiro) é no mangá de Tezuka A nova ilha do tesouro (que saiu em 1947 mas, devido à perda do material original é mais conhecido em sua versão redesenhada pelo autor, de 1984) 14. Note na imagem à seguir (lembrando que a leitura é da direita para a esquerda) como, diferente das convenções norte-americanas e europeias da época 15, somos apresentados a fragmentos de um mesmo acontecimento (um carro correndo pela estrada), dando a sensação de estarmos acompanhando o personagem durante a extensão de sua ação, quase como se uma câmera cinematográfica seguisse seu percurso; além disso, a cada quadro nos afastamos um pouco mais do rosto do personagem até estarmos vendo o carro de longe, criando um efeito que lembra um plano de cinema; ou seja, cada quadro pode ser entendido como um momento diferente da ação, chamando atenção para a movimentação do carro no espaço, assim como para a “passagem” do tempo ao longo dos quadros:

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A nova ilha do tesouro, um dos primeiros trabalhos de Osamu Tezuka.

Tezuka opera uma modulação temporal próxima do cinema. Há nos seus mangás a fragmentação dos “aspectos” 16 de um único movimento, o que acaba por estender e apresentar outras maneiras de se compreender o tempo e os movimentos de uma dada ação. Para isso, os quadros do mangaka surgem nas mais variadas formas geométricas, com intuito de dinamizar as ações, fragmentando também o espaço da página.

Como os corpos de seus personagens ou o tempo de suas ações, as páginas de Osamu Tezuka apresentam cicatrizes, cortes angulares e diagonais. Em Dororo, Hyakkimaru, O garoto que possui membros falsos, os quais pode retirar e colocar novamente no lugar, tende a estraçalhar seus inimigos, os picotando e partindo ao meio. A composição de página e disposição dos quadros de Tezuka age em paralelo com isso: cada quadro seleciona um detalhe da ação ou dos corpos em cena, fragmentando visualmente as personagens. Em alguns momentos à própria lâmina das personagens fatia os quadros da história sugerindo que as sarjetas (os espaços entre um quadro e outro) são similares a cortes.

Página de Dororo em que uma das sarjetas foi cortada pelas personagens. Interessante notar a disposição dos quadros, que podem passar um por cima do outro.

Noutro momento em Dororo, vemos um espadachim dividir um inseto ao meio com sua espada. A página a seguir mostra o que acontece logo depois disso. No primeiro quadro, cada metade do inseto vai parar numa direção diferente. Os dois quadros seguintes estão posicionados um ao lado do outro, cada um contendo uma das metades, sugerindo que a sarjeta que separa os quadros é análoga à lâmina que dividiu o os insetos 17. Os próximos quadros mostram apenas a imagem da mão de Hyakkimaru, impressionado com à habilidade do espadachim. Acompanhamos sua mão lentamente encostar nas metades de cada inseto. Para estender o tempo e criar o ritmo da sequência de quadros, Tezuka precisa replicar várias vezes a mão da personagem, o que sugere novamente a já mencionada relação entre divisão e multiplicação. Dessa forma, a página chama atenção para os corpos do inseto e de Hyakkimaru, assim como para a materialidade de seus desenhos, quadros e composições.

Sendo assim, ao mesmo tempo que as páginas de Tezuka se entregam à superficialidade, há na articulação dos quadros uma vontade de representar um mundo e um movimento tridimensional, ou cinematográfico. A tensão entre as dimensões é exemplificada pela página de Dororo que acabamos de observar, na qual um personagem que supostamente ocupa uma diegése tridimensional interage com a bidimensionalidade do papel (o que, por sua vez, nos remete à condição material do quadrinho). A constante ambiguidade de sua obra, que se nega ao antagonismo simplista entre bem e mal, confundindo até as definições de ser humano, se apresenta também nesse contraste entre tri e bidimensionalidade 18.

É como se Tezuka quisesse que seus quadrinhos atingissem o dinamismo da imagem em movimento do cinema. Não à toa o mangaka se tornaria também animador, e é aqui que nos interessa remeter à origem etimológica de “animação”: do Latim anima, ou seja, “alma”. “Desenho animado” é, portanto, um desenho ao qual foi dado alma. Se Dr. Tenma anima o corpo-objeto de Atom, Tezuka anima Dr. Tenma, assim como todos os personagens e objetos inanimamados de seu mundo. Se as animações de sua produtora Mushi possuíam movimentações restritas e truncadas, a articulação entre montagem, composição de tomadas e design expressivo de personagens era o bastante para dar dinamismo à suas imagens estáticas, como se as desse vida. Técnicas estas que eram muitas vezes semelhantes às utilizadas em seus mangás, que, apesar de serem desenhos fixos no papel, estão sempre em movimento e sempre movimentando nossos olhos através dos quadros e páginas, assim como nossas mãos viram as folhas desses quadrinhos com rapidez. E, afinal, a pergunta permanece: um robô, um animal, um objeto podem ter alma como os seres humanos? Os humanos sequer têm alma? Bom, Tezuka arranjou uma maneira de dar alma à todos esses seres imaginários e estáticos. Voltando à comparação entre o autor e suas personahens que criam “bonecos”, é a partir da impressão de movimento que o artista constrói um organismo vivo.

Sendo possível pensar no termo “animação” como “trazer à vida”, Silvio Teri define “animação” como a projeção de qualidades consideradas humanas num ambiente sensorial, por meio do ato da criação, percepção e interação. Logo, Teri sugere que a performance de uma outra identidade pode ser considerada uma forma de animação 19, uma vez que estamos projetando qualidades de um ser vivo em uma identidade separada de sua identidade real, através de uma encenação. Assim, além de o próprio autor Tezuka estar dando vida a seus personagens, seus “atores” fictícios estão os animando também, assim como muitas vezes os personagens em si estão animando suas identidades falsas. Nessas camadas e camadas de encenação e performance, é sugerido que, ao serem animados, as pessoas fictícias podem revelar ter tanta alma e humanidade quanto seu criador humano. E uma vez  que é impossível conhecer a pessoa Osamu Tezuka, sua humanidade só pode ser acessada através de sua arte, ou seja, nosso contato com sua natureza acontece por meio de suas criações artificiais.

No capítulo de Black Jack “Miyuki and Ben”, o delinquente juvenil Ben se apaixona por Miyuki, uma garota que está sofrendo de um câncer incurável. Ben vai atrás de Black Jack implorando para que ele tente salvá-la, mas o cirurgião clandestino pede 5 milhões de ienes em troca. Desesperado para conseguir o dinheiro, Ben resolve tentar assaltar pessoas. Enquanto isso, acompanhamos Black Jack indo ao hospital em que se encontra Miyuki. Lá, ele convence os demais médicos a deixá-lo tentar salvar a garota, apesar de não ter recebido ainda o dinheiro. Quando parece que Miyuki de fato não sobreviverá, Ben é trazido para o hospital, tendo sido baleado por policiais ao tentar assaltar alguém. O delinquente morre e seus órgãos são transpostos para o corpo de sua amada, o que a salva da morte iminente. Na última página do capítulo, Black Jack diz que agora os corpos de Miyuki e Ben estão unidos. O último quadro mostra a garota dormindo na cama do hospital, com a alma de Ben desenhada sobreposta à cama, como se estivesse abraçando-a. A partir desta breve narrativa, podemos dizer que os órgãos de Ben “animaram” o corpo de Miyuki, lhe dando a vida. Dessa forma, o corpo físico de Ben é compreendido como sua alma. Já questionava Walt Whitman: “And if the body were not the soul, what is the soul?” (em tradução livre: “E se o corpo não fosse a alma, o que é a alma?”) 20. Além disso, “Miyuki and Ben” é um exemplo das camadas de “animações”: o autor dá vida ao design de personagem de Hyakkimaru, o qual dá vida ao personagem Ben, que, por sua vez, dá vida a Miyuki.

Última página de “Miyuki and Ben”, em Black Jack.

“Miyuki and Ben” exemplifica bem os contrastes e contradições exploradas por Tezuka em Black Jack. O cirurgião aparenta ser egoísta e desumano ao cobrar 5 milhões de ienes a um jovem arruaceiro que não poderia ter o dinheiro, mas ao mesmo tempo se comove com o sofrimento do garoto, indo tentar salvar Miyuki sem avisá-lo. Contudo, o fato de Black Jack não ser capaz de assumir sua compaixão leva Ben a procurar uma maneira rápida de ganhar o dinheiro cobrado, o que o leva à morte. Ironicamente, essa morte é a única coisa que poderia salvar Miyuki. Afinal, a vida de uma pessoa vale o mesmo que a de qualquer outra? O próprio Ben é apresentado como um garoto violento, que inicialmente tenta assediar Miyuki. Ele é, então, uma pessoa boa ou má?  E seria Black Jack um homem bom ou não? Voltando ao paralelo entre Tezuka e os “pais” criadores de seres sintéticos: Black Jack, como Tezuka, vive dividido entre a necessidade capitalista de acumular dinheiro e o altruísmo de ajudar o próximo, restaurando a vida às pessoas.

Nessa constante ambiguidade da obra de Tezuka, é notável também a brutalidade implícita no estilo aparentemente infantil e cômico de seus desenhos. Já tratamos de como as sarjetas de suas páginas são relacionadas a cortes, mas essa brutalidade se esconde também nas ações de seus personagens. O estilo de desenho pode ser caricato e arredondado, mas, diferente das obras da Disney ou de um Maurício de Sousa, Tezuka não tinha medo de mostrar sangue, mutilações ou questionamentos perturbadores, nem mesmo de matar seus bonecos fofinhos.

Um exemplo interessante disso se encontra em Buda (1967) 21. Em determinado momento, somos apresentados a um garotinho chamado Devadatta e seus colegas que praticam bullying com ele por não ter pai e sua mãe ter casado com outro homem, que também bate nele e o humilha em casa. Com esses colegas que odeia, Devadatta vai para um piquenique, mas após serem perseguidos por um elefante, as crianças caem num buraco, onde ficam perdidas por duas semanas. No buraco, Devadatta encontra uma goteira, mas se recusa a dividir a água com seus colegas por terem sido cruéis com ele. Quando eles tentam acessar a goteira, Devadatta os mata um por um com uma rocha. Ao serem encontrados por seus pais, as crianças estão todas ensanguentadas com pedras na cabeça, menos Devadatta, que é considerado um demônio pela comunidade e jogado para ser devorado por hienas. A história de Devadatta não acaba por aí, e prossegue com acontecimentos perturbadores. O curioso é que o design de Devadatta e das demais crianças não é muito dissimilar de uma Turma da Mônica, podendo passar por uma narrativa extremamente infantil à primeira vista.

Página de Buda. Devadatta (no último quadro, à esquerda) e seus colegas.
Devadatta assassinando um de seus colegas.
As crianças desaparecidas encontradas pelos adultos: todas mortas e ensanguentadas, tirando Devadatta, que está ao lado de sua preciosa goteira, mas com uma expressão miserável.

Outro bom exemplo é o já mencionado Black Jack, no qual são intercaladas caricaturas arredondas e fofas com o horror corporal (por que não dizer gore?) de vísceras, doenças e mutilações. O gore fofo de Tezuka também surge em Dororo, no qual vemos páginas de monstros e humanos serem desmembrados e jorrando sangue ao lado de quadros silenciosos e contemplativos da paisagem natural, ou interações cômicas entre as personagens, as quais podem se tornar tensas e dramáticas em poucos quadros. Esse contraste tonal que Tezuka alcança, que ocorre também na ocasional discrepância entre um cenário detalhadamente rico em texturas e personagens cartunescos, é o que faz os momentos horripilantes e mórbidos terem ainda mais peso e impacto.

Página de Buda, onde é possível perceber o contraste entre os humanos e animais cartunescos, quase sem nenhum sombreado, e o cenário mais detalhado e cheios de texturas da floresta.
Detalhe de uma página de Dororo, após Hyakkimaru decapitar um youkai. Um exemplo da violência gráfica operada pelas personagens fofas de Tezuka.

Além de contrastar tons diferentes, como cenas assustadoras com cenas cômicas, ocorrem também sobreposições de emoções e tons diversos, revelando complexas camadas de sensações da vida humana. Um exemplo disso está no final do já citado capítulo Black Jack, “teratoid cystoma”, no qual Pinoko é introduzida. Ao ser apresentada à sua irmã gêmea (que, voltando ao tema da performance, não quer revelar sua identidade, preferindo usar uma máscara), Pinoko é rejeitada como uma aberração e passa a xingar e pular de maneira cartunesca em cima dou corpo recém operado de sua irmã. Uma cena cômica, mas com uma camada de sentimentos de dor e rejeição implícita, especialmente dada as circunstâncias bizarras da situação.

Entre o as imahens óbvias e a exploração ambígua de todo um espectro emocional, o mundo que Tezuka pintava de nanquim e animava em celuloide não é diferente da realidade modernq: fragmentado, em tensão entre as superfícies e a profundidade. Sobre esse mundo, o autor dava vida a bonecos confusos com sua própria identidade, que buscavam entender o que os animava e o que fazer com a vida que lhes foi dada. A constante metalinguagem e os contrastes de Tezuka demonstram uma autoconsciência sobre a irrealidade de suas representações, ao mesmo tempo que um certo gosto pela artificialidade, como se fosse da natureza humana a performance e a reprodução.

Sabendo que a arte modernista e construtivista foi uma das influências principais para o desenvolvimento da indústria e estéticas do mangá, não é de surpreender que um de seus maiores artistas tenha refletido tanto sobre a condição dos seres humanos no mundo industrial. A obra de Tezuka nos obriga a avaliar o que diferencia uma pessoa de uma engrenagem de uma máquina, ou de brinquedos e imagens a serem manipulados. Na era da reprodutibilidade técnica estamos perdendo o que antes nos definia como humanidade, nos replicando e virando parte máquina, ou parte de plástico, assim como nos bombardeando e fragmentando nossos corpos e comunidades. Como, então, mantemos nossa agência no mundo, não nos tornando suscetíveis às manobras de titereiros? Bom, havendo possíveis paralelos entre o autor Tezuka e os criadores de seres artificiais, vale notar como parte desses personagens que criam ciborgues e andróides não os manipulam, enxergando suas criações como indivíduos autônomos e livres. Quem sabe é possível sermos bonecos industriais e ainda possuirmos agência. Sendo a agência desses bonecos advinda em parte da metalinguagem – ou seja, da autoconsciência do artifício – talvez nós humanos precisemos de uma dose de existencialismo.


Esse texto originalmente foi pensado como introdução para uma análise do mangá Ayako (1972-1973), lançado no Brasil pela Veneta em 2018. Acabei me empolgando, então resolvi dividir o texto em dois (dá até pra fingir que faz sentido com o tema dos fragmentos e duplos): uma metade em que trato de maneira mais geral e ensaística sobre a metalinguagem nos quadrinhos de Osamu Tezuka e outra em que analiso Ayako em particular. Na parte 2 discutirei como Ayako utiliza de algumas características que apresento na parte 1 para traçar uma narrativa sobre o contexto político do Japão pós-guerra, a ocupação e influência dos EUA na política interna no país, assim como os conflitos entre classes econômicas e gerações.

Vale dizer que esse texto não se propõe a um rigor acadêmico, ainda mais por que não li tantas onras de Tezuka como gostaria. São mais reflexões e observações que ainda podem ser polidas e desenvolvidas. Um ensaio.

NOTAS:
  1. Recomendo o vídeo Koguma no Korosuke de Yoshimoto Sanpei e a influência da arte modernista no mangá”, do Rafael Machado Costa, do Ilha Kaijuu, para entender melhor a relação entre a arte modernista nos mangás da primeira metade do século XX.^
  2. Autor de mangá.^
  3. Outro que já recebeu muitas vezes esse apelido esdrúxulo é Hayao Miyazaki.^
  4. Obra de Tezuka lançada em 2018 pela editora Veneta.^
  5. Quadrinhos japoneses adultos, que tratavam de temas políticos e controversos que não apareciam nos mangás das grandes editoras da época.^
  6. Como o próprio prefácio nota, Katsuhiro Ohtomo, o autor de Akira, estreou na COM. Inclusive, Ohtomo dedicou Akira, entre outras pessoas, a Osamu Tezuka.^
  7. No Brasil, os quatro volumes de Dororo foram publicados em 2010 pela editora NewPop. A obra conta com duas adaptações para anime, uma dos anos 1960 pela Mushi Productions do próprio Tezuka e uma de 2019, assim como um longa-metragem live-action de 2007.^
  8. Classe de criaturas e espíritos encontrados no folclore japonês.^
  9. Inclusive, autores diferentes podiam aproveitar o “ator” de um outro mangaka, como Shotaro Ishinomori ao usar um mesmo design de Tezuka em um de seus próprios mangás (os quais, inclusive, eram majoritariamente sobre ciborgues, andróides e outros seres artificiais, como Kamen Rider, Cyborg 009 e Jinzou Ningen Kikaider^
  10. O conceito para esse mangá foi inspirado pela trupe teatral Takarazuka Revue, toda composta por mulheres, as quais interpretavam tanto personagens femininas quanto masculinas. Eventualmente, elas adaptaram para o palco alguns mangás, como Black Jack e Phoenix, de Tezuka, assim como Rosa de Versalhes, que por sua vez foi influenciado por A princesa e o Cavaleiro.^
  11. Vale conferir a adaptação de 2001, com roteiro de Katsuhiro Ohtomo (também conhecido como o cara que dedicou ao Osamu Tezuka sua obra-prima Akira) e dirigida por Rintaro, que mistura elementos do mangá original com o filme homônimo de Fritz Lang. O mangá foi editado no Brasil pela NewPop.^
  12. O mangá conta com múltiplas adaptações e sequências para a T.V., quadrinhos e cinema (incluindo um longa dirigido por Nobuhiko Obayashi, com Joe Shishido como o personagem titular). Uma adaptação para anime de 2004, supervisionada pelo filho de Tezuka, Macoto Tezka, chegou a passar no canal Animax no Brasil, mas o mangá em si infelizmente nunca foi publicado por aqui.^
  13. Essa adaptação foi lançada no Brasil pela NewPop.^
  14. Outro quadrinho de Tezuka que foi lançado no Brasil pela NewPop.^
  15. Note também que estamos generalizando para simplificar as coisas.^
  16. Estou usando a definição de Scott McCloud em Entendendo os quadrinhos (1993), apesar de conhecer suas limitações.^
  17. Isso pode servir de exemplo para como as HQs não são necessariamente uma arte sequencial, uma vez que podemos entender que esses dois quadros representam algo que ocorreu simultaneamente. Sobre isso, recomendo este vídeo do canal Quadrinhos na Sarjeta, do pesquisador Alexandre Linck.^
  18. Sobre a questão do tridimensional entrando em choque com o bidimensional, gostaria de mencionar a título de curiosidade The Vampire (1968-1969), adaptação para TV de um dos mangás de Tezuka, que buscou sobrepor animação 2-D à filmagens live action. Houve também Galaxy Boy Troop, que intercalou fantoches e animação 2-D.^
  19. Encontrei essa ideia no vídeo “Animating virtualities in Net-juu no Susume”, do canal Pause and Select. Eu não cheguei a encontrar o texto de Silvio Teri em si, “Animation: The New Performance?”, que saiu em 2010 no volume 20 do Journal of Linguistic Anthropology, então me baseei apenas no que é citado no vídeo em questão.^
  20. Verso do poema “I sing the body electric”, do livro Leaves of Grass, de 1855. O título (“Eu canto o corpo elétrico”) me faz lembrar de Atom e dos demais andróides e ciborgues da ficção^
  21. No Brasil, o mangá foi lançado em 14 volumes pela editora Conrad.^

Vindos do sótão… #1: Cripta do Terror – por Pedro Ávila

Recentemente meu avô, o matemático e educador Reginaldo Naves de Souza Lima, faleceu aos 90 anos de idade. Durante décadas ele colecionou uma imensidão de livros e histórias em quadrinhos, que organizou em plásticos e caixas, nas estantes de metal de sua biblioteca, que ficava no sótão de sua casa em Belo Horizonte. Em sua memória, resolvi criar a coluna “Vindos do sótão…”, e ir registrando aqui minhas leituras de alguns desses quadrinhos de sua coleção. Então vem aí muito Flash Gordon, Dick Tracy, Príncipe Valente, quadrinhos europeus estranhos, zines brasileiras esquecidas e muito mais! Nessa primeira edição:

 

Cripta do Terror, os quadrinhos da E.C. que saíram pela Record nos anos 1990

 

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Quem sabe o mundo fosse um lugar melhor se o Zelador da Cripta, a Bruxa Velha e o Guardião da Câmara não tivessem sido vítimas do puritanismo e da competição entre editoras medíocres de super-herói.

Em meio a coleção do meu avô, esbarrei com 6 (dos 7) volumes de Cripta do Terror, uma publicação que a Record trouxe pro Brasil em 1991. Cripta do Terror compila histórias curtas variadas que saíram em revistas como Tales from the Crypt, Haunt of Fear, Vault of Horror, CrimeSuspenseStories e ShockSuspenStories, da extinta editora Entertainment Comics, vulgo E.C., que além de terror e suspense, publicou a seminal Mad de Harvey Kurtzman. Capitaneada por Bill Gaines, que também roteirizou boa parte das histórias da E.C, a editora entrou em falência depois que se estabeleceu o Comics Code Authority, no final dos anos 1950, que proibia quadrinhos com temáticas adultas, principalmente com violência e terror. Na verdade, o Código autoimposto pelo próprio mercado editorial americano, depois de muita lenga-lenga e terrorismo da mídia sobre os quadrinhos estarem destruindo a mente dos jovens, foi em parte para atrapalhar as vendas da E.C., que era a principal editora do momento (além de proibir que as capas de gibis contivessem palavras como “terror”, “horror”, “fear”, “crime”, o que podia fazer sentido, proibiram até “weird”, ou seja “esquisito”, simplesmente porque dois dos títulos da E.C. eram Weird Science e Weird Fantasy). 1

Algumas histórias são genuinamente boas e as revistas contavam com alguns dos melhores desenhistas americanos da época: Al Williamson, Jack Davis, Frank Frazetta, Wally Wood, Graham Ingels, e por aí vai (só monstro mesmo, rs). São todas histórias curtas, por volta de 7 páginas, criativamente repulsivas e hilárias, quase beirando a metalinguagem neobarroca. Pra dar um exemplo, em “Estrela do desejo” (“Star Light, Star Bright”), desenhada por Johnny Craig, sonho e realidade se misturam e um homem não sabe se está deitado em sua cama olhando para a janela no teto do quarto ou amarrado num caixão que possui uma abertura. Com a narrativa gráfica, os painéis do quadrinho se tornam a moldura da janela e a abertura do caixão, sendo quase todo desenhado do ponto de vista do personagem. Isso pra não falar dos vampiros bebendo sangue através de torneiras enfiadas em pescoços, noivas bonecas vudu zumbis, crítica social, rinha de galo, reviravoltas poéticas e muitos mas muitos irmãos siameses. É como encontrar o cinema B americano da primeira metade do século XX (de Hitchcock a Jacques Tourneur, de Fritz Lang a James Whale) condensado e radicalizado em histórias de 7 páginas.

Página de “Estrela do desejo”, publicada originalmente na Vault of Horror 34, em 1954.

 

Uma das histórias mais notáveis que foi publicada é incomparável “Raça Superior” (“Master Race”), desenhada por Bernie Krigstein, que saiu originalmente em 1955, na Impact, uma das tentativas malfadadas de Bill Gaines de burlar o recente código de ética. A história de 8 páginas foge bastante da narração mais genérica da maioria das histórias, com maior experimentalismo no layout dos painéis. Curioso que para suprir a falta de cinismo e violência gráfica Kriegstein foi na direção de uma violência literalmente gráfica, utilizando técnicas narrativas verdadeiramente vanguardistas, o tipo de coisa que surgiria com peso na Europa só na década seguinte, nas HQs comerciais dos EUA então, lá pros anos 1980 com Frank Miller e Alan Moore. O mais incrível é que as técnicas ajudam a compor o ritmo de perseguição e paranoia do conto, uma das primeiras HQs a tratar do genocídio dos nazistas na Segunda Guerra. Os espelhamentos dos personagens, as fragmentações e modulações temporais, tudo conversa muito bem com as lembranças traumáticas revividas, agora sobrepostas sobre a América do Norte então contemporânea, com possíveis associações entre as pessoas se locomovendo sequenciadas, em filas, nas ruas alemãs, nos campos de concentração e no metrô. Na verdade, talvez o mais incrível seja que apesar de tudo o conto segue uma fórmula bem E.C. comics, contando com um dos famosos finais surpreendentes da editora. Há até quem diga que “Raça Superior” é o Cidadão Kane das histórias em quadrinhos. Bem, quem diz isso talvez esteja ignorando o trabalho de Will Eisner em The Spirit, que me parece mais próximo esteticamente do trabalho de Orson Welles e Gregg Toland, mas é claro que é uma história em quadrinho tão revolucionária quanto. Recentemente foi republicada em O Perfeito Estranho 2, uma antologia das histórias de Bernie Kriegstein, pela editora Veneta (que precisa reeditar isso logo que é um material excelente). Tem algumas outras de Kriegstein ao longo das sete Cripta do Terror, apesar de que a maioria esteja um pouco longe do experimentalismo de “Raça Superior”, não que não sejam algumas das melhores histórias da E.C.. Inclusive, é um dos casos em que o preto e branco da edição brasileira funciona muito bem, permitindo que o traço delicado e preciso de Kriegstein e seu uso do preto e branco sejam admirados. Fato é que essas oito páginas estão lado a lado de outras grandes obras de arte sobre o tema, como Maus de Art Spielgman, Noite e neblina de Alain Resnais ou Shoah de Claude Lanzmann. Um quadrinho extremamente importante de ser relembrado nos dias de hoje, que não perdeu nada de seu impacto.

 

Detalhe da página final de “Raça Superior”, que saiu originalmente na Impact número 1 , de 1955.

Mas vale a pena ir atrás dessas edições velhas? Não sei. Apesar de originalmente em cores a revista é toda preto e branco, o que combina com algumas histórias e ajuda a apreciar o traço de alguns artistas (Williamson, por exemplo) mas acaba deixando algumas com a sensação de algo faltando, sem contar que as primeiras edições tem uma impressão horrível, apagando parte dos desenhos (o que foi sendo corrigido ao longo da publicação). Dito isso, o papel jornal fedido e empoeirado realmente passa a sensação de estarmos adentrando uma cripta maldita com o Zelador e a Bruxa.

Vale notar que até o número 5 essa revista da Record utilizou artes de artistas brasileiros para as capas. São diretamente inspiradas nas capas originais, o que talvez tenha paradoxalmente contribuído pra controvérsia que foi com os leitores brasileiros, que viviam enchendo o saco da Bruxa Velha e do Zelador da Cripta (ou seja, do editor Otacílio Costa D’Assunção Barros, conhecido como Ota) para deixarem pra lá os “pastiches” e utilizar as artes originais. Pessoalmente, concordo que as capas originais tendem a ser melhores, algumas escolhas de cores e a textura das pinturas, apesar de terem seu próprio charme, tiram um pouco do brilho das originais. Dito isso, a ideia de dar oportunidade para artistas brasileiros, como Carlos Chagas, não deixa de ser louvável.

Capa original de Johnny Craig, para Vault of Horror 23, de 1952.

 

Arte de Carlos Chaga sobre desenho de Johnny Craig, para Cripta do Terror 3, 1991.

E apesar das capas e do preto e branco houve um esforço bacana de manter o tom original, com os apresentadores (horror hosts) comparando uma história com a outra e se agredindo verbalmente. O que é curioso porque significa que houve uma certa edição dos tradutores e editores, que mudaram parte dos textos originais para fazer sentido certas comparações entre histórias que não foram publicadas juntas originalmente, mas em revistas diferentes, até em anos diferentes. Alguns podem sentir um verdadeiro pavor ao saberem que o texto original foi em parte “mutilado” pela edição brasileira, mas eu acho um toque simpático (que acabou não durando tantas edições, de qualquer forma).

No mais, fico na torcida para ainda vermos (pela própria Veneta que trouxe Kriegstein? pela Pipoca & Nanquim, que já nos trouxe os belos horrores de Jayme Cortez? pela Figura que trouxe Oesterheld e Breccia?) uma republicação a cores e com papel de qualidade dos quadrinhos da E.C., nem que seja uma coletâneazinha.

NOTAS:
  1. Esse vídeo do Pipoca & Nanquim é um bom resumo da ópera, que conta detalhes sobre o contexto histórico e os diversos personagens que participaram dessa história de terror dos quadrinhos norte-americanos.^
  2. O título vem da última frase de “Master Race”: “…Era um perfeito estranho”.^