A cianotipia e antotipia são processos de impressão fotográfica do século XIX. Os cianótipos sempre são azuis, como sugere o próprio nome. A cor dos resultados da antotipia, por sua vez, varia conforme o que se usa. Pode-se utilizar amora, beterraba, açafrão, couve, espinafre e outros. O uso de ”materiais de cozinha” atribui outra dimensão a essa prática, precisamente porque usar esses materiais desse modo enfatiza a possibilidade de um desvio em relação ao seu uso convencional. Amplio esse desvio ao trabalho convencionalmente atribuído às mulheres. Já que, o que me interessa, ao menos neste momento, não é o sabor dos ingredientes, mas a sua propriedade fotossensível, que é menos conhecida e menos explorada. Assim, a antotipia me faz pensar que nós conseguimos desviar em alguma medida. Para mim, esta é uma pequena transgressão: estar na cozinha, mas não cozinhar. Na verdade, estou de passagem: pego o que estiver disponível para brincar ao sol. Nesse ponto, julgo importante estar perto de práticas que apontam para uma maneira libertadora de pensar o feminino.
Além disso, enquanto estudante de psicologia, entendo que é essencial estar ao ar livre. Nietzsche (2017, p. 48 — para os que gostam de formalidades)1 escreveu em Ecce Homo: “não acreditar em nenhum pensamento que não tenha surgido ao ar livre e em livre movimentação”. Esses são conselhos que eu quero guardar. Estar a céu aberto é, em si mesmo, um convite para apreciar os pontos de luz e sombra, de calor e frescor. A antotipia e a cianotipia reforçam esse convite.
Já que, é preciso, em um primeiro momento, estar em um ponto escuro do jardim para aplicar os químicos no papel e, em seguida, é preciso ir em direção a um canto ensolarado para ver a mancha de tinta transformar-se em uma imagem inteligível. Em função disso, os eventos relacionados a essas práticas comumente acontecem em ambientes nos quais há natureza no entorno, como praças ou parques, o que é muito agradável.
Um aspecto íntimo sobre isso é que eu realmente gosto de me expor ao sol. Também pratico cerâmica e, como se sabe, a argila precisa passar por uma queima (de cerca de 1000 a 1200 graus) para então vir-a-ser cerâmica. Por causa disso, somado ao fato da olaria ser uma prática majoritariamente feminina, existe uma comparação muito bonita entre o forno cerâmico e o útero. Enfim, essa intervenção do calor no fazer artístico me faz refletir muito.
Também gostaria de comentar que a primeira a testar a capacidade fotossensível dos cianótipos foi a botânica e fotógrafa Anna Atkins (1799-1871). Penso que ela é referência para as mulheres praticantes e apreciadoras da fotografia. Enfim, parece haver uma força feminina muito potente nesses processos que mencionei, visto que evocam proteção, calor, criação, alquimia, misticismo, ancestralidade… Ou seja, ao mesmo tempo luz e mistério. Quer dizer, aquele velho encontro entre arte e magia. Em uma palavra: é pura bruxaria, rs.
Cianótipos sendo expostos ao sol:
Resultados:
Antotipia: Fiz com açafrão em um coador de papel. Três dias de exposição ao sol.
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NOTAS:
- NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. Tradução: Marcelo Backes: ed. L&PM POCKET, 2017. ^