Caber em aviões: as redondezas do Olho Vegetal – Três poemas de Inês Oliveira

Tinha um cantor-malabarista que olhava às avessas pelo cruzamento, em uma outra esquina de quilômetros atrás. Eu olhava, e era um gesto pegajoso no calor. Então eu pensei naquele poema do Manuel Bandeira em que ele diz: “Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir”.

Daí fiquei comovida com a imagem dos aviões, e o chamado ruidoso das lições de partir. Por isso falo do cantor do sinal, uma das figuras que encontrei antes de voltar.

Porque esses movimentos circulares me são familiares, e hoje mesmo eu estava falando que Sérgio Sampaio foi uma das melhores coisas que o Espírito Santo deu ao Brasil. Falava também daquela música do Arthur Verocai  onde diz “pra quem mora lá o céu é lá”, que me ensina esses movimentos que encontram contorno e se perdem quando tento falar de trânsito.

Por isso aparecem esses poemas, transitados e transitórios, escritos por uma capixaba no Rio, Lisboa, Porto e Berlim, e que não falam exatamente sobre nada disso, mas tem uma cor do que eu estava pensando nesses céus de lá.

 

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Na água alguma coisa não existe de habitat
que o corpo segrega e
Se as células estivessem um passo além
Saberiam de portar de acordo
Com novas configurações, novos movimentos
Gestos de fadiga câimbra e falta de ar.
Delira o ar onde só tem água
Exigindo agressivo o mergulho
Mais além, sempre mais aérea
Em voo de peixe pequeno.
Descalça as algas porque salgado é mar
Enruga a pele e assim se aproxima
De seus vizinhos aquáticos
E desenha o contorno
Do movimento das gotas
Reformulando o seu caber
Pausa mal posicionada no lugar do entre
E algo de uma homeostase que existia
Arranca com violência o prosseguimento das partículas
Insistindo em nadar como quem anda
Pra frente quando aprofunda
Como quem acredita que alguma hora chega
E não entrou porque não sabia esperar
A água abrir a porta depois da campainha
E se batesse não abria.

 

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Imaterial de quase coisa
Trocando elétrons e nêutrons
Em dança de tensão constante

Ferreiro que manipula o aço
No calor do corpo
Sempre em pretensão de guerra

E delira um rio porque escapa sempre e
Mergulha a mão numa água que não molha
Ou quase encosta       então

Corre sempre pra estar na hora
Achando que tem ainda
E chega no meio
Perguntando aonde fica.

 

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Madrepérola de textura
Atravanca o que não desliza
Perde valores dentro da bolsa
Mas assim
Desarma o que tenta passar
Despercebido entre os buracos
Por baixo e por cima
Ela dizia
Da aspereza que arranha
E por isso
A imagem na fotografia
Era pornográfica
Quando mostrava
Os poros do olho fechado
Que a língua lambida não sabe sentir
Pois tem mistério em qualquer música
E ter um tufão nos quadris
Era dizer daquilo que atravanca
E atrapalha a continuação
Atravessa o sinal fechado
Atropela o final feliz
Atrasando a lógica
Dos fascistas.

 

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Poema Antologia, de Manuel Bandeira;
Todos os CDs do Sérgio Sampaio, pérola de Cachoeiro de Itapemirim;
Arthur Verocai, música Na boca do sol;
Foto tirada em Madrid, 2019.

 

Inês Oliveira
estudante de Letras na UFF, nascida no Espírito Santo e moradora do Rio de Janeiro. Apaixonada por literatura e música brasileira. Escritora de poemas dispersos e inacabados, nunca antes publicados exatamente por causa disso.

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